Cerveja puro malte ou cerveja com adjuntos: qual a melhor?

Cerveja puro malte ou cerveja com adjuntos: qual a melhor?

Sabe qual é a boa de hoje? Botar os copos na mesa e discutir se a cerveja puro malte é sempre melhor que uma cerveja com adjuntos. Eu posso apostar que metade das pessoas que vão ler este post vão dizer “óbvio que sim” e a outra metade vai dizer “óbvio que não”.

E, pra botar lenha na fogueira, vou adiantando que, na minha opinião, nenhum dos dois grupos está correto.

E você pode me perguntar: Como assim? Qual delas é melhor então?

Ao longo do post, você vai conhecer meu ponto de vista sobre o assunto. Para embasar meus argumentos, vou relembrar lições das primeiras páginas da cartilha cervejeira: as definições de cerveja, de adjuntos e de cerveja puro malte. Depois vou falar sobre a origem da associação entre puro malte e cerveja de primeira linha e os motivos que levam muitas pessoas a relacionar o uso de adjuntos à perda de qualidade. Finalizando, vou mostrar a verdadeira vocação dos adjuntos. Fique ligado!

O que é cerveja? 

Eu tenho certeza que você sabe de cor o que diz o artigo 36 do Decreto 6.871, de 2009, que regulamenta a Lei n° 8.918, de 1994. Ficou esquisito? É só porque você não está associando o nome à “coisa”. Vou refrescar sua memória.

Art. 36.  Cerveja é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto cervejeiro oriundo do malte de cevada e água potável, por ação da levedura, com adição de lúpulo.

Se você não tiver essa lição na ponta da língua, tem que voltar para estudar mais sobre cerveja.

Brincadeiras à parte, o que quero destacar aqui é o parágrafo quarto desse artigo, que diz o seguinte:

§ 4o  Parte do malte de cevada poderá ser substituído por adjuntos cervejeiros, cujo emprego não poderá ser superior a quarenta e cinco por cento em relação ao extrato primitivo.

Ou seja, a nossa legislação permite o uso de até 45% de adjuntos para substituir o malte nas cervejas ditas “comuns”. E as cervejarias que produzem cerveja “de massa” (famosas cervejas mainstream) não deixam pra menos e usam em suas receitas o limite máximo permitido de adjuntos.

O que é adjunto?

Adjunto cervejeiro é qualquer ingrediente usado na cerveja que não seja o malte de cevada, lúpulo, água e fermento.

 

Nas grandes cervejarias, ele é mais comumente utilizado como fonte complementar de carboidratos, para diminuir os custos de produção da cerveja. Para essa aplicação, ele é encontrado tanto na forma sólida (em geral cereais não maltados como o arroz e o milho), quanto na forma líquida (açúcares de cana, xaropes de malte e xaropes caramelizados, por exemplo).

No Brasil, o adjunto mais usado na indústria cervejeira é a High Maltose (ou xarope de alta maltose), que é o extrato de malte feito a partir do milho.

Outra emprego dos adjuntos, menos conhecido e muito interessante, é para dar um “tempero” especial à cerveja. Alguns dos ingredientes comumente usados como adjuntos cervejeiros buscando temperar a cerveja são, além das frutas, coentro, cascas de canela, gengibre, pimenta e fava de baunilha.

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O que é cerveja puro malte? 

cerveja puro malte

Puro malte é a cerveja que tem como fonte exclusiva de açúcares o malte de cevada e que não usa qualquer tipo de adjunto.

Esse diferencial é a base da estratégia de marketing montada por grandes marcas do Brasil e do exterior, que, por sinal, foram muito bem-sucedidas ao associar qualidade a ausência de adjuntos. Basta ver a grande aceitação das cervejas como puro malte no Brasil.

Mas você pode estar se perguntando: E essas cervejas são boas? Eu respondo: Podem ser sim!

Mas será que uma cerveja é melhor que outra só porque é puro malte, ou há outras variáveis envolvidas nesse processo? 

Se você acha que toda cerveja que traz no rótulo a inscrição “puro malte” é necessariamente melhor,  abra o olho, para entender o que é lenda e o que é verdade no maravilhoso mundo cervejeiro.

Origem da associação entre puro malte e cerveja de primeira linha 

A ideia de que a puro malte é melhor que uma cerveja com adjuntos tem relação com a Lei de Pureza alemã (Reinheitsgebot), de 1516.

reinheitsgebot

A lei, até hoje exaltada por muitos cervejeiros, determinava, entre outras coisas, que a cerveja só poderia ser produzida com água pura, malte de cevada e lúpulo. Embora ela tenha sido posteriormente alterada, fazendo algumas “concessões” e, naturalmente, incluindo o fermento entre os ingredientes básicos, sua versão original permaneceu como um símbolo da perfeição cervejeira.

O que interessa destacar da Reinheitsgebot, pelo menos neste post, é o que estava por trás da motivação de estabelecer padrões de qualidade para a cerveja, como está muito bem explicado neste texto.

Uma das ideias principais era poupar centeio e, principalmente, o então valioso trigo para a fabricação de pães e do líquido mais apreciado pela nobreza: a cerveja de trigo!

Resumindo: não podia faltar pão para as pessoas em geral, e nem a sagrada cerveja de trigo para a nobreza.

De qualquer forma, a escola alemã fez história, também e indiscutivelmente pela qualidade das suas cervejas, mas adicionalmente por causa de uma propaganda muito bem planejada e executada. Tanto assim que até hoje muita gente repete, que cerveja que cerveja de verdade só leva malte de cevada, água, lúpulo e fermento.

Se você é um desses, eu pergunto: Você já experimentou algumas das principais cervejas da escola belga?

 

Por que algumas cervejas com adjunto ficam piores que as puro malte? 

Existe uma série de motivos para uma cerveja com adjuntos não ficar tão boa quanto uma puro malte.

Lamentavelmente, algumas práticas adotadas na grandes produtoras das cervejas mainstream podem levar leigos ou cervejeiros com menos experiência a pensar que o problema está no uso de adjuntos.

Mas a verdadeira causa da perda de valor de algumas cervejas pode ser resumida em algum dos seguintes erros fatais:

  • os adjuntos (especialmente o milho) são usados em proporção excessiva, apenas para diminuir custos e sem preocupação com a qualidade. A ideia em geral é produzir uma cerveja mais barata e que de quebra, tem baixo teor alcóolico, é leve e fácil de beber;
  • os adjuntos usados podem ser de má qualidade;
  • as vezes pode ocorrer a necessidade de acelerar a linha de produção, que leva os produtores a encurtar o tempo de fermentação e de maturação necessários para produzir a cerveja. Assim, em muitas das cervejas de massa, o que a gente acha ruim e bota na conta dos adjuntos são, na verdade, off flavors decorrentes do processo de produção. Para você ter ideia, uma cerveja que é colocada em uma semana no mercado deveria levar 30, 40, 50 dias para ficar decente.

 

A verdadeira vocação dos adjuntos: um desagravo a esses injustiçados

adjunto

Ao contrário do que dizem alguns (talvez por conservadorismo ou desinformação), o adjunto pode ser um grande aliado na produção de uma cerveja excelente. Para isso, ele deve ser usado na proporção certa (geralmente em níveis moderados) e deve ser escolhido levando em consideração o estilo da cerveja, e não apenas para diminuir custos.

Só um resumo do que eles podem fazer pela sua produção:

  • melhorar a retenção de espuma e dar mais “corpo” à cerveja (usados na medida certa, o centeio e a aveia servem muito bem a esse propósito);
  • trazer sabores e aromas únicos, como as frutas nas Fruit Lambics;
  • ajudar a fazer cervejas mais leves (o milho e o arroz são ótimos pra isso – só que é preciso usar, mas não abusar, do recurso a esses ingredientes);
  • contribuir para a elevação do teor alcóolico sem aumento do corpo da cerveja (muitos estilos belgas são bem alcóolicos, mas com não tanto corpo. E como conseguir isso? Adicionando adjuntos gloriosos como  candy sugar, calda de açúcar, melado etc.).

 

Então, meu amigo, não saia por ai dizendo que cerveja boa é só a puro malte. Existem cervejas puro malte excelentes, assim como existem cervejas com adjuntos fantásticas.

Por isso é que eu disse lá no início do post que nem os “puro-malteiros radicais”, nem os “adjunteiros inflexíveis” estavam inteiramente corretos.

CONCLUSÃO:  CERVEJA PURO MALTE NÃO NECESSARIAMENTE  É MELHOR QUE AS CERVEJAS COM ADJUNTOS

Fiz esse post pra te ajudar a entender o que é lenda e o que é verdade nas comparações entre puro malte e cerveja com adjuntos.

Voltei lá nas primeiras páginas da cartilha cervejeira para tirar a definição de cerveja: “bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto cervejeiro oriundo do malte de cevada e água potável, por ação da levedura, com adição de lúpulo”. 

Acrescentei que a legislação brasileira permite o uso de até 45% de adjuntos cervejeiros (cereais não maltados, como milho ou arroz) para substituir o malte como fonte de açúcar. Disse que algumas grandes cervejarias que produzem cerveja “de massa” abusam do direito de usar adjuntos, fazendo isso sem discernimento.

Mostrei que adjuntos não são só os substitutos do malte de cevada, mas também “temperos”, como coentro, cascas de canela, gengibre, pimenta e fava de baunilha, além das frutas.

Em seguida, falei sobre a puro malte, cerveja que tem como fonte exclusiva de açúcares o malte de cevada. Disse que, em grande medida, a ideia de que a puro malte é melhor que uma cerveja com adjuntos tem relação com a Lei de Pureza alemã (Reinheitsgebot), de 1516, que determinava, entre outras coisas, que a cerveja só poderia ser produzida com água pura, malte de cevada e lúpulo. Esclareci que essa lei tinha outras motivações. Uma das ideias principais era poupar o então valioso trigo para a fabricação de pães e do líquido mais apreciado pela nobreza: a cerveja de trigo!

Mostrei que, na realidade, há outras variáveis envolvidas no processo de produção cervejeira que determinam a qualidade do produto final, e que a associação entre uso de adjuntos e perda de qualidade se deve, em resumo, aos seguintes motivos:

  • os adjuntos (especialmente o milho) são usados em proporção excessiva, apenas para diminuir custos e sem preocupação com a qualidade.
  • os adjuntos usados são muitas vezes de má qualidade;
  • existe uma pressa desesperada na linha de produção, visando ao aumento de lucros, o que leva a colocar em uma semana no mercado cervejas que precisariam ficar 30, 40 ou 50 dias fermentando e maturando. Assim, em muitas das cervejas de massa o que se acha ruim e bota na conta dos adjuntos são, na verdade, off flavors decorrentes do processo de produção.

Encerrando, fiz um desagravo aos injustiçados adjuntos, mostrando que, usados com propósito e moderação, eles podem ser grandes aliados na produção de cervejas excelentes.

Resumindo o que eles podem fazer pelo seu produto:

  • melhorar a retenção de espuma e dar mais “corpo” à cerveja (usados na medida certa, o centeio e a aveia servem muito bem a essa finalidade);
  • trazer sabores e aromas únicos, como as frutas nas Fruit Lambics;
  • ajudar a fazer cervejas mais leves (o arroz e o milho, usados sem exagero, são ótimos para isso);
  • contribuir para a elevação do teor alcóolico sem aumento do corpo da cerveja (bons exemplos disso são adjuntos como candy sugar, calda de açúcar e melado, usados em muitos estilos belgas).

E aí, vai de cerveja puro malte ou aceita uma cerveja com adjuntos?

Agora que você já sabe que a suposta superioridade das puro malte sobre as cervejas com adjunto não é uma verdade absoluta, que tal compartilhar este post no Facebook? Assim você vai fornecer argumentos para reflexão daqueles seus amigos que defendem latinhas de puro malte como as melhores cervejas e também para aqueles que dizem que o bom mesmo é beber cervejas com adjuntos. 

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8 comentários em “Cerveja puro malte ou cerveja com adjuntos: qual a melhor?”

  1. Mauro da Costa Ribeiro Junior

    Gostaria de saber se tem dia bom para fabricar cervejas ? Às vezes tomo a mesma cerveja, de lotes e vasilhames (litrão e latão) com sabores distintos.

    1. rogerio generozo

      Não sei o porque.
      Mas se você pegar a mesma marca de cerveja, seja ela em latinha, latão, garrafa de 300 ml 600 ou de litrão.
      Sempre tem diferença entre elas.

      1. Mauro da Costa Ribeiro Junior

        A cerveja concentrada são mais encontradas em botecos com bom armazenamento vertical. Os sucos de milho em geral são vendidos em grande escala, o latão no Extra estava com sabor distinto de cevada de milho com lúpulo vermelho. Sem dúvida é uma boa opção para quem está sem muito dinheiro.

  2. Limitou-se pra não queimar o milho trans de vez?(e toda sua indústria de desmatamento/ração)… Ainda não bebi nenhuma cerveja comercial superior a qualquer puro malte. 1500 e Bavaria Premium são as mais baratas seguida pela Devassa Tropical Lager e Brahma Extra Lager. TODAS muito superiores a qualquer suco de milho. Ou vai querer comparar com Corona e Stella que além do milho tem o super faturamento? “Suco de milho a gente deixa pras visitas” – Lei do cervejeiro caseiro.

    1. Mauro da Costa Ribeiro Junior

      Concordo com você. A cerveja​ estão sendo processadas com muita rapidez não dando tempo para a glicosolise do milho fermentar e dar um melhor sabor ao suco. Valeu a dica.

  3. Bruno Peixoto

    Fala, Daniel, blz? Cara, gosto dos seus artigos, parabéns pelo trabalho.

    Quanto à polêmica dos adjuntos, o artigo foi bem esclarecedor, no entanto tenho uma observação/dúvida a fazer que talvez mereça um debate aqui 🙂

    Você classificou como adjunto qualquer outro ingrediente que vá na cerveja que não seja água, malte, lúpulo e levedura, mas já vi muito na literatura cervejeira uma classificação um pouco diferente, que pra mim faz mais sentido. A galera classifica como adjunto somente os grãos(ou derivados dos grãos) não maltados que serão fontes de açúcar fermentável, como são os casos dos adjuntos usados nas cervejas de massa (maltose, arroz, etc). Quanto aos outros ingredientes usados para “temperar” a cerveja, como especiarias, frutas, chocolate, castanhas, etc, esses não são classificados como adjuntos, são chamados de outra coisa (ingredientes extras, adjuntos de sabor, etc).

    Eu gosto dessa classificação que considera o que chamamos comumente de adjuntos apenas as fontes de açúcares fermentáveis, deixando outros ingredientes fora. O que você acha? Já viu essa separação tb?

    Abraços e bom trabalho!!!

  4. A Baden Baden Wit ganhou medalha de ouro do World Beer Tour 2015 (Melhor cerveja do mundo entre todos os estilos). E, como sabemos, pelo menos 50% de uma Witbier tradicional é de adjuntos (50% pilsen, 50% trigo cru). Nos temperos idem (pouco lúpulo e raspas de laranja e sementes de coentro). Realmente, ser ou não ser puro malte não tem muito a ver, inclusive pq certos estilos obrigatoriamente precisam de adjuntos.

  5. Boa noite. No post você nos trouxe que encontramos cervejas tanto puro malte quanto com adjuntos excelentes, mas também é mais que claro, principalmente para nós brasileiros, que há muitas cervejas de massa com adjuntos ruins. A minha dúvida é: existem cervejas puro malte ruins? Poderia dar alguns exemplos? (Se pra vc não for algo anti-ético). Abraços e obrigado pelo conhecimento passado.

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