Mash out: para que fazer e como ele afeta o perfil da cerveja

Mash out: para que fazer e como ele afeta o perfil da cerveja

mash-out

Quando o macarrão está no ponto certo, o que acontece se você não escorrer a água imediatamente? Ele vai acabar cozinhando demais, não é mesmo? E você vai sentir os efeitos disso lá na frente, quando for provar a macarronada.

 

Calma, você não entrou no blog errado. É que o mesmo que acontece com o seu macarrão pode acontecer com a sua cerveja. Se você não interromper de alguma forma as reações que acontecem durante a mosturação, pode sentir as consequências disso na hora de experimentar a sua receita.

 

Como você já deve saber, o procedimento que “segura a onda” de enzimas empolgadas como as que atuam na mosturação é o mash out. Muito cervejeiro pula essa etapa. Às vezes dá certo, às vezes não dá. Mas é bom você saber como isso pode afetar o perfil da sua cerveja.

 

Neste post eu respondo à pergunta do Paolo Ramos, que quer saber por que é importante inativar as enzimas ao final da mosturação? Para explicar melhor o assunto, vou mostrar que reações acontecem na mosturação, como as enzimas de sacarificação trabalham e que influência isso tem no seu produto final. Por fim, vou falar sobre os riscos e prejuízos de não fazer o mash out na sua produção de cerveja.

 

Mosturação 

mosturacao

A mosturação é o cozimento do malte em temperaturas específicas para ativar enzimas (especialmente proteases e amilases) que promovem a quebra das proteínas em aminoácidos e peptídeos e do amido em açúcares menores, como glicose e maltose.

 

Além da temperatura, alguns fatores que influenciam a atuação das enzimas são o pH da mostura, o tempo de mosturação, a quantidade de água utilizada, a moagem e a composição do malte. Neste post vou me ater à influência da temperatura sobre o processo.

Rampas de temperatura e atuação das enzimas na mosturação

rampas de temperatura

 

Muitos cervejeiros fazem a mosturação usando rampas (ou paradas) de temperatura, cada qual com uma finalidade. Preparei pra você um resumo do que seria o processo completo, com todas as paradas possíveis, confira abaixo:

 

Parada de acidificação (entre 40 e 55 graus Celsius) 

A principal finalidade dessa rampa é diminuir o pH do mosto, facilitando a ação das enzimas. Atualmente, ela quase não é utilizada, pois o malte já vem modificado de forma a fazer essa redução. Além disso, existem produtos mais práticos, como os reguladores de pH, para obter o mesmo efeito.

 

A parada na casa dos 43 graus continua sendo uma boa pedida para as cervejas de trigo, porque ela ativa a beta glucanase, que gera, lá no final do processo, um produto com maior quantidade de 4-vinil-guaiacol, aquele composto que produz o aroma de cravo tão apreciado nas Weiss.

 

Descanso proteico (entre 50 e 55 graus Celsius)

Essa rampa é indicada quando você vai fazer cervejas com cereais que tenham muita proteína, como trigo ou aveia, ou com grãos não maltados. O principal objetivo dessa parada é facilitar a atuação das proteases. Essas enzimas quebram proteínas em aminoácidos e peptídeos, afetando a formação e a retenção de espuma na cerveja.

 

Uma dica importante: Se você estiver usando só maltes modificados, como Pale Ale ou Golden Ale, fazer essa rampa não é uma boa opção. Aliás, ela pode até comprometer a espuma da sua cerveja.

 

Sacarificação beta  (entre 55 e 65 graus Celsius)

Essa é uma parada chave para ativar a beta-amilase, responsável pela quebra do amido e consequente extração de açúcares fermentáveis, que serão consumidos pelas leveduras. A faixa ótima de atuação das beta-amilases é por volta dos 60 graus Celsius.

betamilase

 

Sacarificação alfa (entre 68 e 73 graus Celsius)

Rampa destinada a ativar as alfa-amilases, que também convertem o amido em açúcares menores. A faixa de temperatura em que as alfa-amilases ficam mais ativas é entre os 70 e os 72 graus Celsius.

 

Para simplificar as coisas, muitos cervejeiros fazem a sacarificação das alfa e das beta-amilases numa só etapa, aplicando temperaturas entre 63 e 70 graus Celsius, aproximadamente. E isso dá certo para a maioria dos estilos (claro que as Weiss não estão incluídas aqui).

 

Enzimas de sacarificação: atuação e influência no corpo da cerveja

Para fazer uma mosturação ao mesmo tempo descomplicada e eficaz, você precisa entender um pouquinho como as enzimas de sacarificação trabalham.

 

A beta-amilase quebra as moléculas de fora pra dentro, de forma constante, sempre deixando duas moléculas de açúcar e formando moléculas fermentáveis. Já a alfa-amilase quebra o amido aleatoriamente. Por isso, ela forma tanto moléculas fermentáveis, quanto não fermentáveis.

trabalho enzimas

 

E qual a importância disso para a sua cerveja?

 

Basicamente, dentro da faixa comum de atuação das duas enzimas, a opção por temperaturas menores ou maiores vai afetar, principalmente, o corpo de cerveja. Entenda por quê.

 

Se você quer uma cerveja mais encorpada, precisa ter mais açúcares não fermentáveis no mosto, ou seja, deve priorizar a atuação das alfa-amilases. E aí vai a sacada: para dar uma moral para elas, dentro da faixa comum das duas enzimas, você deve usar uma temperatura na casa dos 70 graus Celsius. A beta-amilase também estará atuando, mas com menos “gás”.

 

Ao contrário, se você quer uma cerveja mais seca, com menos corpo, deve ter uma proporção maior de açúcares fermentáveis. Como a campeã na formação de alimentos para as leveduras é a beta-amilase, a jogada é levantar a bola dela, descendo a temperatura de mosturação para um intervalo entre 60 e 65 graus Celsius.

 

Para fazer uma cerveja com corpo médio, como é o caso da maioria das cervejas, é só “fazer uma média” com as duas enzimas de sacarificação, mantendo a temperatura de mosturação entre 67 e 68 graus.

 

Uma última dica importante sobre esse processo: Não deixe de fazer o teste do iodo pra saber a quantas anda a sua mosturação. Basta você pegar um pouquinho do mosto e jogar nele algumas gotas do produto. Se ainda houver presença considerável de amido ou cadeias grandes de açúcares no líquido, ele vai ficar preto ou roxo. Se ele ficar da cor natural do iodo (alaranjado, amarelado), é sinal de que todo (ou quase todo) o amido já foi convertido. Se a cor ficar em um meio-termo entre esses dois extremos, é porque existem resquícios de amido ou cadeias longas.

 

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Mash out: objetivos e importância para o perfil da cerveja

O mash out é feito com duas finalidades principais. Confira quais são elas e como elas afetam o perfil da cerveja e a eficiência da brassagem.

 

Inativação das enzimas atuantes na mosturação

Esta é a função clássica do mash out: tornar inativas as enzimas que trabalham na mosturação (principalmente a beta-amilase, já que a alfa-amilase pode continuar a ter certa atividade).

 

Para conseguir isso, você deve elevar a temperatura ao final da mosturação para os 76 ou 77 graus Celsius e esperar cerca de 10 minutos. Cuidado para não ultrapassar essa temperatura, porque dessa forma você acabaria extraindo taninos para a sua cerveja, gerando o off flavor conhecido como adstringência, sobre o qual falei neste post.

 

Mas qual seria o problema de as enzimas continuarem atuando? Simples. Você perderia o controle sobre o perfil de açúcares e de proteínas do mosto.

 

Acompanhe o meu raciocínio. Quando você termina a mosturação, se pular o mash out e seguir o “rito normal” da produção cervejeira, você passa para a etapa de clarificação.

 

Durante o tempo de recirculação do mosto – 20, 30, 40 minutos – a temperatura dele vai naturalmente baixando. Imaginando que você tenha terminado a mosturação na casa dos 67, 68 graus, ela vai descer para 64, 63, 62 graus.

 

Suponhamos que você tenha planejado fazer uma cerveja com mais corpo. Se a beta-amilase continuar atuando sem controle, a sua receita vai para o espaço, porque não vai sobrar açúcar residual para encorpar a cerveja. Lembro que a protease também atua nessas temperaturas – embora com baixa atividade, já que a sua faixa ótima fica na casa dos 50 graus. Isso significa que ela ainda pode quebrar algumas proteínas de médio peso molecular que também dariam corpo à cerveja.

 

Diminuição da viscosidade do mosto

O outro objetivo do mash out é diminuir a viscosidade do mosto, facilitando a extração dos açúcares, tornando mais eficientes a recirculação e a lavagem do mosto.

A propósito, você deve se lembrar de usar um pouco mais de malte na sua receita se não fizer o mash out, para compensar essa perda de eficiência.

 

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Riscos e prejuízos de não fazer o mash out

Com as informações que dei, você acha que vale a pena pular essa etapa do seu processo de produção de cerveja?

vale a pena

Eu recomendo que, principalmente os iniciantes, não façam isso. Tudo bem, você ganha alguns minutos, mas desperdiça malte e ainda se arrisca a errar na receita.

Quem tem mais prática pode tentar outros métodos e ver o que funciona melhor. Mesmo assim, eu sugiro que só dispense o mash out quem:

  • faz a recirculação durante a mosturação;
  • adota o método No Sparge (ou seja, não faz a lavagem dos grãos);
  • está produzindo uma cerveja com corpo bem leve.

 

CONCLUSÃO: NÃO VALE A PENA DEIXAR DE FAZER O MASH OUT AO FINAL DA MOSTURAÇÃO, JÁ QUE ISSO AFETA O PERFIL DE AÇÚCARES E PROTEÍNAS PLANEJADO NA RECEITA E DIMINUI A EFICIÊNCIA DA BRASSAGEM

Iniciei este post falando sobre a mosturação (cozimento do mosto), que serve basicamente para ativar as enzimas que quebram as proteínas em aminoácidos e peptídeos e o amido em açúcares menores.

Mostrei a você que muitos cervejeiros fazem a mosturação usando uma ou mais das rampas (ou paradas) de temperatura a seguir:

  • Parada de acidificação (entre 40 e 55 graus Celsius) – para diminuir o pH do mosto (pouco usada atualmente, pois o malte já vem modificado de forma a fazer essa redução e, além disso, existem meios mais práticos, como os reguladores de pH, para obter o mesmo efeito). A rampa de 43 graus continua sendo uma boa pedida para as cervejas de trigo, porque ela ativa a beta glucanase, que gera, no final do processo, um produto com maior quantidade de 4-vinil-guaiacol, composto que produz o aroma de cravo característico do estilo.
  • Descanso proteico (entre 50 e 55 graus Celsius) – para facilitar a atuação das proteases (enzimas que quebram as proteínas em aminoácidos e peptídeos). Essa parada é indicada para cervejas com cereais que tenham muita proteína, como trigo ou aveia, ou com grãos não maltados. É contra-indicada para quem usa maltes modificados, como Pale Ale ou Golden Ale, pois pode comprometer a espuma da cerveja.
  • Sacarificação beta  (entre 55 e 65 graus Celsius) – parada chave para ativar a beta-amilase, responsável pela quebra do amido e consequente extração de açúcares fermentáveis.
  • Sacarificação alfa (entre 68 e 73 graus Celsius) – rampa destinada a ativar as alfa-amilases, que também convertem o amido em açúcares menores.

Na sequência, expliquei que é possível fazer a sacarificação das alfa e das beta-amilases numa só etapa, aplicando temperaturas entre 63 e 70 graus Celsius, e disse que isso dá certo para a maioria dos estilos (com exceções como as Weiss).

Mostrei de que maneira você pode fazer uma mosturação descomplicada e eficaz se entender como as enzimas de sacarificação trabalham: a beta-amilase quebra as moléculas de fora pra dentro, sempre formando moléculas fermentáveis; já a alfa-amilase quebra o amido aleatoriamente. Por isso, ela forma tanto moléculas fermentáveis, quanto não fermentáveis.

Essa informação é especialmente importante para você manter o controle sobre o corpo da cerveja. Veja as sacadas:

  • Se você quer uma cerveja mais encorpada, precisa ter mais açúcares não fermentáveis no seu  mosto, ou seja, deve priorizar a atuação das alfa-amilases. Para isso, a pedida é usar uma temperatura na casa dos 70 graus Celsius.
  • Se você quer uma cerveja mais seca, com menos corpo, deve ter uma proporção maior de açúcares fermentáveis. Logo, a jogada é levantar a bola das beta-amilases, descendo a temperatura de mosturação para um intervalo entre 60 e 65 graus Celsius.
  • Para fazer uma cerveja com corpo médio (como é o caso da maioria dos estilos), é só manter a temperatura de mosturação entre 67 e 68 graus.

Em seguida, mostrei que o mash out é feito ao final da mosturação com duas finalidades principais:

  • Inativar as enzimas – quando você eleva a temperatura ao final da mosturação para os 76 ou 77 graus Celsius e espera cerca de 10 minutos, as enzimas param de trabalhar (a alfa-amilase ainda resiste um pouco, mas fica em “slow motion” nessas temperaturas). Assim, você garante uma cerveja dentro do perfil de açúcares e proteínas planejado na receita.
  • Diminuir a viscosidade do mosto – para facilitar a extração dos açúcares, tornando mais eficientes a recirculação e a lavagem do mosto.

Encerrando o post, recomendei que, principalmente os iniciantes, não pulem a etapa de mash out, porque essa supressão reduz a eficiência da brassagem e faz perder o controle sobre a receita. Mesmo entre quem tem mais prática, sugeri que só dispense o mash out:

  • quem faz a recirculação durante a mosturação;
  • quem adota o método No Sparge (ou seja, não faz a lavagem dos grãos);
  • quem está produzindo uma cerveja com corpo bem leve.

Agora que você já sabe como o mash out é importante para aumentar a eficiência da brassagem e manter o perfil de açúcares e proteínas da cerveja dentro do planejado na receita, que tal compartilhar o post no Facebook? Assim você ajuda seus amigos a fazer cervejas realmente melhores!

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12 comentários em “Mash out: para que fazer e como ele afeta o perfil da cerveja”

  1. Gustavo Piscelli

    Parabéns Daniel ótimo post.
    Tenho uma dúvida sobre o processo após o mash out. Subi la minha temperatura para 76 °C e deixei por 15 minutos. Depois que começo a clarificação a temperatura tende a cair certo ? Com a diminuição da temperatura as enzimas são reativadas e começam a gerar mais açúcares? Tenho que manter a temperatura na casa dos 76°C ?
    Valeu e fonte abraço.

    1. André Sabino

      Depois de desativadas a 75ºC as enzimas não são mais novamente ativadas.
      Elas são desnaturadas e não atuam mais.

  2. paulo fontes

    Daniel boa tarde. aprendi muito com vc durante a série dos 365 vídeo. com o fim da
    série, ficamos meio que abandonados. outros canais que acompanho, os caras se ligaram mais em virar garoto propaganda de maltes, fermentos e equipamentos. Não falam mais das partes técnicas . Será que não daria pra vc pensar em fazer pelo menos um vídeo por semana pra suprir essa nossa carência?

    Valeu!!! Continuo colado nas suas instruções .
    um abraço e obrigado

  3. O lá. O que pode ser feito se o Mash out for feito antes da hora..atingiu 80 graus ainda na rampa de 65..

  4. vlademir kemp

    Olá. Acabei fazendo o mash out da minha wit antes da hora. Ao invés da rampa de 65 passou do ponto e foi a 80. Resultado: Não está atenuando legal. Prejudica mesmo? O que fazer?

  5. Victor Diamantino

    Ótimo post Daniel. Estou estudando sobre cervejas e essa parte das ativações das enzimas relacionadas a temperatura de brassagem é uma coisa nova pra mim. Gostei muito, parabéns.

  6. Lúcio Diniz Pereira Finkler

    Bah! De longe é o melhor blog, site, de informações. Claras e precisas. Muito esclarecedor e didático. Obrigado Mestre Daniel.

  7. Boa noite.
    Fiz um dry stout a 70 c, bateu a OG mas a FG não chegou. Era 1014 e não baixou de 1020.
    O que pode ter acontecido?

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